terça-feira, 10 de março de 2015

depois de ludovico #3 Documentário mostra o real mundo do Candomblé

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“[...] Ogum desceu sobre o campo de batalha como um vendaval, nada deixando à sua frente, pois que ignora qualquer barreira e é conhecido como o que vai primeiro. Na sua frente, sobre um morrote verde, um grupo de soldados combatia em torno do estandarte da Segunda Companhia de Zuavos dos Voluntários da Pátria, da Ilha de Itaparica, estandarte mantido no ar pelo sargento Matias Melo Bonfim, feito de Ogum desde o sete anos, um de seus filhos mais valorosos. Vinha de Amoreiras, onde florescem os mimos-do-céu e os passarinhos cantam mais. Deixara seus dois filhinhos, Matilde e Baltazar, sua mulher Maricota e sua roça de milho e feijão, deixara sua mãe viúva e sua criação, prometendo voltar assim que ganhasse a guerra [...]”


É assim que o escritor baiano, João Ubaldo Ribeiro, narra a Guerra do Paraguai na obra Viva o povo brasileiro. Além de Ogum, outros Orixás protegem seus filhos soldados e, juntos, lutam pela vitória contra o país sul-americano.

Durante toda a obra, na verdade, os deuses do Candomblé estão no enredo daquele povo brasileiro - e verdadeiro - construído por Ubaldo. A história de nosso Brasil colonizado, afinal, começou na Bahia e tem forte participação dos escravos africanos que chegaram por aqui. A inferiorização da cultura negra, no entanto, distorceu informações e criou paradigmas. 


O Candomblé é um exemplo disso. Religião de matriz africana, é também nacional, com 167.363 brasileiros adeptos, segundo o Censo IBGE de 2010. Ainda assim, seguidores são vítimas de um ódio e medo imaginários, formados pelo desconhecimento popular e pela padronização midiática.


“E é um preconceito muito enrustido. Será que é por ser uma religião que veio do negro? A gente não sabe. Mas a ideia principal foi essa de querer apresentar, instigar a pessoa a conhecer a religião”, explica Vinicius Vasconcelos , ao falar da proposta do documentário Asé.


Sob a direção geral de Vinicius, e direção de fotografia de Lucas Araújo, o filme foi produzido como trabalho final do curso de Rádio e TV do CEET Vasco Coutinho, juntamente com outros nove alunos. Após apresentação única para a banca avaliadora e alguns convidados, o  Made in Capixaba teve acesso exclusivo ao documentário.


Ao pesquisarem o universo Candomblé no estado do Espírito Santo, Lucas e Vinicius descobriram que nunca se havia feito uma produção audiovisual sobre a religião em solo capixaba. Foi quando decidiram fazer esse registro.


Lucas e Vinicius na Mostra Colorado

Antes, foi produzido o curta Ogunhê!, que retrata o dia a dia na casa de santo Ile Asé Odé Nilá, em Vila Velha. Durante doze minutos, o vídeo questiona e esclarece alguns mitos e verdades sobre esta matriz africana, através de depoimentos de iniciados - seguidores que se prepararam para receber o seu Orixá. Ogunhê! ganhou o prêmio de melhor curta-metragem da 2ª Mostra de Curtas do Cineclube Colorado, realizada no final do ano passado. 






O documentário Asé é a extensão deste curta, retratando de forma abrangente o universo do Candomblé. Além da casa de santo Ile Asé Odé Nilá, também foram gravadas cenas em Igba Asé Igi Afefe, casa tradicional do Rio de Janeiro. “A ideia principal foi desmistificar muita coisa que a gente ouve por ai, toda a sua história aqui no Brasil”, explica Vinicius, que é complementado por Lucas: “Nossa linguagem ficou bem clara para qualquer pessoa entender”.


Tal linguagem se traduz na explicação didática e dinâmica sobre os princípios e a representação do Candomblé, explicados por quatro iniciados que também compartilham de suas experiências e vivências desde o início de sua história com a religião.


Casa de santo Ile Asé Odé Nilá, Vila Velha

Universo Candomblé


O que se vê diante dos olhos é a câmera próxima e íntima da casa, dos seguidores, das celebrações. Rituais ricos de cores, símbolos, música, dança e alegria; vivenciados por idosos, adultos, jovens e crianças de apenas sete anos de idade - já iniciadas. A dança é o movimento da reverência, expressão. E cada seguidor está em seu momento de adoração e agradecimento.



Como a prioridade era desmistificar a religião através das entrevistas, a música, uma das principais características do Candomblé, ficou em segundo plano, apesar de ainda assim ser valorizada nas imagens. “O Candomblé é cheiro, cor e música. A música é a base do Candomblé. Cada Orixá tem seu toque, sua batida. Mas a gente optou por deixar o áudio em BG por conta da falta de tempo, mas para abordar mesmo o real conceito do Candomblé”, explica.






O choque e o encantamento foram companheiros na primeira visita de Vinicius e a uma casa de santo. “Foi um novo mundo para a gente. Dá um susto na primeira vez? Claro que dá! Mas a gente vai conhecendo, vê que isso acontece por causa disso ou daquilo. É uma religião muito bonita”.


Recebidos de braços abertos pela comunidade, Lucas e Vinicius se sentiram confortáveis. Foi com o tempo e a convivência que, além de personagens e histórias, ambos fizeram grandes amizades e se conectaram com o Candomblé.





Pergunto a eles o que mudou em suas vidas a partir desse contato com a religião. “A amizade e a espiritualidade. Os amigos de lá vamos levar para sempre”, responde Vinicius. Já Lucas, recorda a alteração em seu comportamento: “Minha cabeça mudou. Se agora eu não consigo algo, eu ainda vejo o lado bom das coisas. A religião me ajudou muito”.


Asé


Sobre o cenário do Candomblé em terra capixaba, Vinícius e Lucas atentam para a visão catolicista e o preconceito enraizado. “Algumas pessoas têm medo de falar sobre o Candomblé e sofrer algum tipo de preconceito, no trabalho, por exemplo”, expõe Lucas.

Vinicius questiona: “O catolicismo predomina muito aqui no estado. Eu sou de família católica, mas não critico. Óbvio que tem coisa que eu não concordo. Tenho meu orixá, as entidades que eu sei que estão comigo. E eu pergunto: por que eu não posso frequentar a Igreja Católica e também de vez em quando o Candomblé?”.


Com o trabalho final aprovado, Lucas e Vinicius agora planejam inscrever o filme nos festivais e mostras de cinema. Em abril, será feita uma exibição na casa de santo Ile Asé Odé Nilá, para que toda a comunidade possa prestigiar. Há também um outro projeto em vista, ainda sem previsão: um documentário sobre o cenário do Candomblé em todo o Brasil.


Assim como o nome que identifica o documentário, que venha muito axé nas próximas produções dessa dupla em seu real significado: a energia sagrada dos orixás. Que estão por aí, seja na Bahia, no livro de João Ubaldo Ribeiro, em nosso Senado ou mesmo no panelaço de domingo. Asé para todos.




Ficha técnica

Título: Asé

Duração: 25min.

Direção: Vinicius Vasconcelos

Roteiro: Diego Monnerat, Jorge Ferreira, Thiago Souza e Vinicius Vasconcelos

Edição: Lucas Araujo, Vinicius Vasconcelos e Wanderson André

Direção de Fotografia: Lucas Araujo, Júlio Cesar de Paula e Wanderson André

Produção: Diego Monnerat, Nayara Vasconcelos e Robertha Gonçalves

Direção de Arte: Wanderson André

Som direto: Diego da Vitória e Juan Martins

Professor orientador: Haroldo Vidal Jr.




Ana Luiza. Jornalista apaixonada por cinema e arte, se derrete por uma história a ser contada. Guarda em seu caderno intermináveis sonhos projetos, e voilá, este é um deles! Vez ou outra faz participação especial sob o título depois de ludovico & paralelos artísticos, retratando o cenário cinematográfico do ES.

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